De que são feitos os encontros humanos? De doação. Quando nos encontramos com o outro – conhecido ou não – sempre doamos algo de nós e recebemos algo do outro. Um belo conto oriental nos revela a magia desses encontros: quando, caminhando em direções opostas, duas pessoas que se encontram no caminho da vida trocam o pão que cada uma traz consigo, cada uma, ao seguir de volta o seu caminho, continua levando um pão. Mas, se duas pessoas, caminhando em direções opostas, se encontram no meio de sua caminhada e, nesse encontro, trocam idéias, ao seguirem de volta o seu caminho, cada uma delas irá levar consigo duas idéias. Essa é a magia dos encontros humanos, sempre doamos algo de nós. Podem ser coisas materiais, ou pensamentos, ou sentimentos, tanto faz. Nós, seres humanos fomos feitos para doar.
Mas, eis que algumas vezes na vida, nos deparamos com uma situação complicada. Por algum motivo qualquer – forte ou trivial – impedimos esse fluir de doação. Quando o outro nos fere, ou nos magoa, é como se o nosso coração – ou nossa alma – deixasse de se conectar com o outro por meio da doação. Nos fechamos em nós mesmos, doídos pela mágoa, aprisionados pelo ressentimento. Fechamos a possibilidade de contato com o outro e, com isso, de doação, de entrega, de construção conjunta.
A dor da decisão de se afastar só pode ser aliviada por meio da retomada da nossa natureza humana: o retorno da nossa habilidade de nos encontrar com o outro em doação. Para isso precisamos desculpar o outro. Mas, veja a armadilha das palavras: desculpar significa tirar a culpa do outro. David Bohm nos alerta para o uso que fazemos das palavras – e Morin nos convida a sempre termos claro quais palavras iremos usar. Desculpar o outro significa retirar do nosso caminho a mágoa que nos impedia voltar a entrar em contato com ele. Mas, essa mesma ação de retirar um ressentimento, também pode ser realizada por meio de outra palavra: perdoar – mágica palavra que liberta.
Perdoar vem do latim, per-donare, e significa ‘para doar’. ‘Para doar’ amor, é preciso perdoar o que faz doer. ‘Per-donare’ atenção, é necessário perdoar as ofensas. ‘Para doar’ amizade, é urgente perdoar os desencontros: é preciso reencontrar o amigo perdido e voltar a trocar com ele pensamentos, sentimentos, vida!
Que o perdão nos ajude a voltar a caminhar em direção ao outro – para que possamos nos encontrar e retomar nossa habilidade de doar. Que o perdão nos liberte da prisão da mágoa e nos possibilite voltar a ver o outro. Para quê? Per-donare, a cada encontro, aquilo que temos de melhor.
(A semente desse texto foi doada pelo amigo Zé Ricardo. Em sua homenagem, ela faz parte desse Jardim).